Frio o bastante para nevar
Jessica AuEnquanto as duas visitam museus, cafés e livrarias, ela rememora episódios da história materna, [...] da infância de ambas e dos seus anos como estudante de literatura inglesa, quando se abriram para ela horizontes que a vida de imigrante negou à sua mãe. [...] Na expectativa de estreitar o diálogo com a mãe, ela planeja uma viagem a um país estrangeiro às duas. “Pensei também que a primeira língua da minha mãe era o cantonês, e a minha, o inglês, e como só falávamos juntas em uma, e não na outra”, reflete a narradora conforme se dá conta da profundidade do mistério materno. Por trás da profusão de detalhes com os quais a filha preenche este relato — melancólico como o Japão chuvoso que elas visitam —, revela-se a brutalidade da relação entre mãe e filha. Pois, se à primeira vista este é um romance de pouca voltagem, a turbulência por baixo da sua superfície logo se torna palpável e incisiva. Durante os passeios, vemos como as questões de poder são negociadas, como a proximidade, que parece uma opção, nunca se materializa, como o passado e o presente, o eu e o outro, a arte e a vida são coisas que transitam num contínuo.
Espécie de meditação literária em que os pensamentos da narradora são mais centrais do que os fatos, Frio o bastante para nevar é uma elegia à busca pelo diálogo e uma poderosa reflexão sobre o papel da arte na expressão do que não pode ser traduzido em palavras.